19/11/2017

“O racismo é um inimigo maior do que se imagina”

O lançamento da campanha “Enquanto Viver, Luto!”, realizada por Criola e o Movimento Moleque, reuniu cerca de 50 pessoas em frente à igreja da Candelária, no Centro do Rio de Janeiro. O debate foi sobre as estratégias possíveis para o fim do racismo e os efeitos que ele produz no cotidiano das mulheres negras. Parlamentares, ativistas, militantes, pesquisadores e mães e pai afetadas/o pela força violenta e letal do estado participaram do evento.

As vereadoras Marielle Franco, do Rio de Janeiro, e Talíria Petrone, de Niterói, colocaram seus mandatos à disposição da luta das mulheres negras contra o racismo. Marielle Franco destacou a importância de o lançamento ter sido feito num espaço público, cuja ocupação é negada à população negra, assim como a participação das mulheres negras na política. “É a política que decide a nossa vida. Se a gente está distante, não temos como intervir. A gente tem que estar lá para dizer que as nossas vidas importam, que a nossa vivência importa. Para dizer também que a gente quer saber quem está decidindo a nossa vida”, declarou Marielle Franco. Para Talíria Petrone há uma potência na mulher negra que vem da história. “Se é tempo de dor, também é tempo de resistência. O mandato está à disposição dessa dor e da luta.”

Ana Paula Oliveira, mãe de Jhonata Oliveira, assassinado por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) na favela de Manguinhos, disse que se identificou com o lema da campanha “Enquanto Viver, Luto!”. Num relato emocionante, a organizadora do Fórum de Mães de Manguinhos desabafou dizendo que esses filhos não morreram. “Eles estavam bem de saúde, mas saíram de casa e não voltaram. Eles foram mortos.” Ana Paula é categórica: “Para nós, não tem opção. Quando isso acontece a gente não sabe o que fazer. A gente ganha um sacode. A gente só sabe que é a única opção é lutar por eles e por nós. A campanha é para mostrar a cara de toda mulher negra que resiste e vai continuar lutando e resistindo”.

Mônica Cunha, ativista do Movimento Moleque, disse que a campanha vai conscientizar as mulheres de que o racismo é um inimigo maior do que se imagina. Lúcia Xavier, coordenadora-geral de Criola, explicou que a organização da sociedade faz com que a gente acredite que as estruturas sejam sempre harmônicas. Como se pobreza, desigualdade, violência, doenças fossem obras da providência divina e que não há formas de alterar essas situações. Para ela, há jeito, mas é preciso que a gente diga que não aceita mais. “A sociedade hierarquizada baseada nas formas de produção é uma construção negativa que faz o negro ser menos gente. Eu não aceito.” Lucia Xavier defende que a arma dessa luta seja dizer que a gente não aceita mais.

A médica e mestranda em Violência e Saúde na Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (ENSP/Fiocruz), Verônica Souza de Araújo, falou sobre os impactos do racismo na área da saúde. “Não é por acaso que a mortalidade materna ocorra sete vezes mais com mulheres negras do que com mulheres brancas”, argumenta. Vanessa Lima, advogada do Elas Existem, pontuou a massiva presença dos corpos negros encarcerados nas penitenciárias brasileiras.

Pausas longas e lágrimas marcaram a fala – carregada de emoção – das mães e do pai quando lembraram de seus filhos assassinados. Solidárias, as organizações: Cieds, através do programa Fazedores do Bem, CTO, Associação de Familiares de Presos do RJ, Comissão de Direitos Humanos da ALERJ, Associação Amar, Frente do Desencarceramento no Rio de Janeiro, o Movimento Tortura Nunca Mais, Redes da Maré, ISER, Rede de Comunidades e Movimentos Contra Violência, Fórum Grita Baixada e a Rede Nacional de Mães e Familiares de Vítimas do Estado Brasileiro se juntam ao coro dos parentes das vítimas para dizer: Enquanto viver, luto!

O registro desta nota e fotográfico foi feito por Viviane Gomes, de Criola.

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