14/12/2020

Comitê pede ao Estado proteção a mulheres eleitas, vítimas de ameaças de morte racistas e transfóbicas

Nota Pública do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos

O Comitê Brasileiro de Defensores e Defensoras de Direitos Humanos, rede composta por 42 organizações e movimentos sociais do campo e da cidade, vem a público reafirmar seu compromisso com a proteção das mulheres negras e transexuais eleitas, e exigir do poder público a efetivação de medidas para garantir a segurança e a integridade das mulheres eleitas no pleito eleitoral de 2020, vítimas de ataques racistas, intimidações e ameaças de morte.

Ana Lúcia Martins é a primeira mulher negra eleita para a câmara de vereadores de Joinville / SC. Desde a divulgação pública de sua eleição, em 15 de novembro, a vereadora eleita vem recebendo ofensas com forte teor racista nas redes sociais, e chegou a receber ameaças de morte em seu e-mail pessoal. O autor de um dos perfis que atacou e ameaçou a vereadora já foi identificado, e deve responder por injúria racial, ameaça de morte e racismo, no entanto, a polícia civil de Joinville investiga o possível envolvimento de grupos de supremacia branca neste e em outros casos recorrentes de racismo no município. Na quarta-feira, 2 de Dezembro, o Comitê participou de uma missão de solidariedade e acompanhamento do caso em Joinville, envolvendo também a Comissão de Defensores/as de Direitos Humanos do Conselho Nacional de Direitos Humanos, a Terra de Direitos, o Instituto Desenvolvimento e Direitos Humanos e a Rede de Mulheres Negras do Paraná, com apoio do Instituto Marielle Franco e da Justiça Global. A missão se reuniu com a vereadora, com o Ministério Público e com a delegada responsável pela investigação do caso. A delegada ofereceu incluir Ana Lúcia no Programa Provita, que protege vítimas e testemunhas de crimes. Porém, se aceitasse essa medida, a vereadora eleita não poderia assumir o cargo.

Em Goiânia a candidata a vereadora Sônia Cleide sofreu ameaças de morte por telefone no período de campanha. Foram várias ligações de números privados dizendo que se Sônia não desistisse da candidatura, ela amanheceria com a boca cheia de formigas. Na última ligação, a pessoa lhe perguntou se ela já tinha providenciado o caixão. Sônia é militante do movimento de mulheres negras, e tem ainda como bandeiras de luta a defesa dos povos de terreiro e LGBTQIA+. A candidata registrou boletim de ocorrência, e recentemente foi convocada pelo delegado responsável pelo caso para prestar novas declarações, porém, ainda não há notícias do andamento das investigações, ou de medidas para garantir a sua segurança.

Além dos dois casos mencionados, nos últimos dias tivemos notícias de outras mulheres negras e transexuais eleitas em todo o país que registraram boletins de ocorrência e denúncias públicas das ameaças de morte que sofreram após a notícia de sua eleição. Suellen Rosim, eleita prefeita do município de Bauru, Carol Dartora, a primeira parlamentar negra eleita em Curitiba / PR, também receberam ameaça de morte com teor racista num e-mail com conteúdo semelhante ao enviado a Ana Lúcia, e assinatura vinculada a grupos neonazistas. A vereadora mais votada e primeira mulher trans eleita para a câmara de vereadores de Belo Horizonte, Duda Salabert, Linda Brasil, primeira mulher trans a ocupar um cargo político em Sergipe e vereadora mais votada de Aracaju, e Benny Briolly, mulher negra e trans eleita para a câmara de vereadores de Niterói / RJ também denunciaram à polícia o e-mail recebido com ameaça de morte, porém, com conteúdo transfóbico. O conteúdo dos e-mail é muito semelhante, mas cada e-mail individual contem variações no teor das ofensas e informações pessoais, como o endereço ou local de trabalho atual de cada uma delas.

A política é um espaço hostil para as mulheres, mais ainda para mulheres negras e trans, por sua simples presença em espaços de poder que, hegemonicamente, não são vistos como seus. Não por acaso, as mulheres defensoras de direitos humanos enfrentam uma vasta gama de violências interseccionais – por serem mulheres, por serem negras ou LBTs, por defenderem direitos e contestarem estruturas de poder machistas, racistas, classistas e heterosexistas.

As ameaças racistas recebidas pelas vereadoras Ana Lúcia Martins, Carol Dartora, e pela prefeita Suellen Rosim não são casos isolados, mas exemplos do racismo estrutural que mata pessoas negras todos os dias no país. Duda Salabert, Benny Briolly e Linda Brasil ameaçadas de morte por assumirem um lugar de destaque na política também não são casos isolados, são exemplos da transfobia característica do país que mais mata transsexuais em todo o mundo.

Além de serem alvo do racismo e da transfobia, essas mulheres eleitas estão sofrendo violência política – estratégia nefasta para silenciar as mulheres que ousam ocupar e transformar os espaços de poder. Temos no assassinato da vereadora Marielle Franco um exemplo da gravidade a que esta violência pode chegar, e cujos mandantes seguem impunes. Não podemos permitir que a violência interrompa a carreira política e a vida de outras mulheres negras, e de mulheres trans que estão conquistando espaço na política institucional a duras penas. É dever do Estado garantir o direito dessas mulheres à vida e ao livre exercício da política.

Diante disso, o Comitê se solidariza com cada mulher negra e trans eleita ameaçada, e exige a atuação imediata das autoridades competentes, não apenas para imprimir celeridade às investigações e punir os responsáveis pelos ataques e ameaças de morte, como também para garantir proteção e segurança a elas, e o exercício pleno de seus mandatos.

Brasília, 11 de dezembro de 2020.

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