11/10/2024
Aumento de penas sem políticas públicas: uma análise crítica sobre a sanção ao PL 4.266/2023 e os impactos para as mulheres negras
O dia 10/10 marca o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher e nessa mesma semana foi sancionado pela Presidência o Projeto de Lei 4266/2023 que ganhou notoriedade por aumentar para 40 anos a pena pelo crime de feminicídio. O texto torna o feminicídio (que antes era uma qualificadora) um crime autônomo e agrava não apenas a pena do feminicídio, mas de diversos outros crimes cometidos contra a mulher em razão da sua condição de mulher – como a lesão corporal e a ameaça em contexto de violência doméstica e familiar. A justificação do então projeto de lei apontava a ineficácia da legislação vigente, o aumento exponencial de feminicídios, a necessidade de apresentar uma mensagem de repúdio à violência contra as mulheres e a garantia de uma maior proteção.
Nesse sentido, ecoamos a Nota Pública ao PL 4266/2023 produzida pelo Consórcio Lei Maria da Penha que elenca os principais pontos de atenção referentes ao Projeto, agora já sancionado. Destacamos:
- o uso da expressão “condição do sexo feminino” como forma de excluir mulheres trans;
- a criação do tipo penal feminicídio que não assegura prevenção, maior rigor de investigação e que traz como efeito rebote maior dificuldade de enquadramento e apuração e maior tempo do trâmite processual;
- o aumento de penas de vários crimes sem qualquer contrapartida em políticas públicas voltadas para a prevenção ou para a rede de enfrentamento.
Criola, no seu recém-publicado sumário executivo “Números da Violência Racial e de Gênero contra Meninas e Mulheres Negras Cis e Trans no Brasil”, apresentou o triste retrato de recrudescimento das violências racial de gênero contra meninas e mulheres negras cis e trans em todas as cinco regiões do Brasil.
Este grave quadro faz com que seja ainda mais importante que estejamos atentas a alterações legislativas que não propõem políticas públicas para o enfrentamento da violência e que apenas jogam com o populismo penal. O aumento de penas e o investimento em medidas de encarceramento e no sistema prisional dialogam de forma direta com o controle de corpos negros no Brasil – ainda que saibamos que não são os crimes de violência de gênero que respondem pelos nossos altos índices de encarceramento. Criola defende que o enfrentamento à violência contra as mulheres precisa considerar de forma sistemática e articulada o racismo patriarcal heteronormativo que estrutura essas violências. Nesse momento, o contexto de sanção do mencionado projeto de lei é de grave desmonte e baixíssimo financiamento às políticas públicas voltadas para as mulheres, o que afeta de forma desproporcional as meninas e mulheres negras cis e trans. Criola pauta o desenvolvimento de políticas intersetoriais que contemplem assistência social, saúde, educação, justiça, reparação e que preze por uma atuação integrada contra o racismo para o enfrentamento da violência contra a mulher.
¹A íntegra do projeto de lei e a sua justificação podem ser conferidos no site do Senado através do link: https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documentodm=9445824&ts=1728535278530&disposition=inline
²O estudo pode ser conferido na íntegra no link a seguir: https://criola.org.br/pelo-fim-das-violencias-criola-lanca-sumario-executivo-numeros-da-violencia-racial-e-de-genero-contra-meninas-e-mulheres-negras-cis-e-trans-no-brasil/
³A população carcerária do Brasil, de acordo com o último Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, é composta por quase 70% de pessoas negras. A íntegra do anuário pode se acessada no link a seguir: https://apidspace.forumseguranca.org.br/server/api/core/bitstreams/1d896734-f7da-46a7-9b23-906b6df3e11b/content