01/03/2024

Criola questiona a decisão do Ministério da Saúde de Suspender a Nota Técnica nº2/2024-SAPS/SAES/MS

Criola, organização de mulheres negras, há 31 anos na luta  pelo enfrentamento ao racismo patriarcal cisheteronormativo e por justiça reprodutiva para meninas e mulheres negras cis e trans e todas as pessoas que podem gestar, vem a público repudiar veemente a suspensão da  Nota Técnica Conjunta Nº 2/2024-SAPS/SAES/MS, de 28/02/24, que tinha por objetivo atualizar normas e harmonizar as informações sobre as condutas a serem adotadas nos serviços de saúde. 

Não há no código penal, nem tão pouco nas diretrizes da OMS, qualquer restrição quanto a idade gestacional no aborto induzido, previsto em lei. Nesse sentido, o documento, que refletia as robustas evidências científicas e trazia segurança jurídica aos serviços de atenção ao aborto legal e aos profissionais de saúde, se coloca como passo fundamental para garantia do direito integral à interrupção da gestação na legislação em vigor.

Suspender a norma técnica é não apenas ceder à pressão dos grupos cristãos e fundamentalistas, mas revela a escolha em ignorar e invisibilizar o grave problema que afeta diretamente meninas e mulheres negras e as tantas injustiças reprodutivas às quais são submetidas. São elas as que mais sofrem com estupros, reiteradas violências e que se deparam com impeditivos aos seus direitos sexuais e reprodutivos seja no serviço de saúde ou na justiça, ao reivindicarem e exigirem a garantia do direito ao aborto legal, previsto nos casos de risco a vida da pessoa gestante, gravidez em decorrência de estupro e anencefalia.

Embora o aborto esteja dentro do marco legal sem limite de tempo de gestação, na prática, são poucos os serviços púbicos que realizam a interrupção após 22 semanas. A realidade cotidiana registra meninas e mulheres negras peregrinando por assistência adequada, viajando quilômetros para conseguir acessar o serviço e, por muitas vezes, sendo torturadas e obrigadas a gestar, com o impasse da idade gestacional avançada, após meses de tentativas frustradas de assegurar o que lhe é direito por lei.   

Mulheres e meninas negras, cis e trans, sofrem sistematicamente com exposição à violência e violações de direitos por parte do Estado. Vivem em contexto de precarização, atravessadas também pela fome e insegurança alimentar, falta de saneamento,subempregos e baixa remuneração, acesso dificultado à saúde e  educação. Abrir mão de cuidado, de assistência integral e não garantir direitos é dar as costas para estas meninas e mulheres. É ferir os princípios do SUS, de equidade, integralidade e universalidade; posicionar-se na contramão dos direitos e da justiça reprodutiva. 

Criola questiona a decisão do Ministério da Saúde que retrocede na garantia dos direitos das mulheres e na proteção das meninas, justamente em um momento de ataque misógino e racista, optando pela manutenção das violações de direitos humanos e da permanência das injustiças reprodutivas. É inadmissível que evidências científicas sejam facilmente substituídas por posicionamentos moralistas, religiosos e anti-ciências. 

Lutar pelo direito ao aborto em qualquer idade gestacional é lutar por justiça reprodutiva, pelo direito de decidir, de acessar integralmente a saúde. É lutar por condições melhores de vida, saúde, moradia e por dignidade e respeito para as meninas e mulheres negras. Para todes, sem nenhum direito a menos!

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