26/05/2018

Mãe Beata de Iemanjá e a fé que nos move

“Sou de uma religião em que o tempo é a ancestralidade. A fruta só dá no seu tempo. A folha só cai na hora certa”

Mãe Beata de Iemanjá, yalorixá, escritora e ativista pelos direitos humanos, em especial os direitos das mulheres negras, sempre estará presente em nossa luta e em nossos corações. Em uma de suas últimas entrevistas, antes de fazer a passagem há um ano, disse: “Nós não morremos. Há uma continuidade de outra vida mais plena, com mais sabor, com mais serenidade. Nós somos como um vidro de perfume. Se uma grande essência cair, se quebrar, fica aquele aroma delicioso, de capim, de rosa, sem você saber…Nós somos espíritos, somos os eguns, porque os nossos antepassados estão ali conosco”.

Mãe de quatro filhos biológicos e de milhares de filhos que acolheu tanto em seu terreiro de candomblé Ilê Omiojuarô, que funciona há  mais de 30 anos em Nova Iguaçu, no Rio de Janeiro, e por quer que passasse, ela nasceu Beatriz Moreira Costa, em 20 de janeiro de 1931, no Recôncavo Baiano. Tinha orgulho de ser mulher negra e nordestina, além da mesma grandeza de icônicos líderes religiosos. Num mundo que ofereceu a ela, suas filhas e seus filhos tanto o racismo quanto a intolerância, Mãe Beata fez um convite à paz:

“Essas guerras todas… Muitas você vê que são por questão religiosa, e pela questão do dinheiro. Nosso Pai, o criador, Olorum, não nos mandou para isso, nos mandou para uma experiência do que é a bondade, do que é o acolhimento”.

Firme, a yalorixá defendeu até o fim a sua fé como a tradução de sua origem, conforme explicou ao ator e escritor Lázaro Ramos no programa “Espelho” (Canal Brasil). “O candomblé é meu empoderamento, é a minha vida, a fonte em que bebo muita água, o som que eu ouço, o canto dos pássaros. Também é o lamento das nossas crianças do morro e da periferia, dos homossexuais, é a minha estrada, a encruzilhada onde nasci, o rio do Recôncavo, a fome que passei quando criança, a boneca que não pude ter…O candomblé surgiu na minha vida para me dar oportunidade, a minha cultura, porque representa o sangue do meu povo”.

Mãe Beata que, diferentemente de muitos religiosos, nunca se esquivou de temas polêmicos e seu ativismo rendeu prêmios e a levou para conferências internacionais sobre direitos humanos. Criticou abertamente o racismo, o machismo e a homofobia. “Eu enfrento com a palavra. Eu luto com a fé e o amor”. Ela, que não precisou de diploma de doutora para espalhar sua imensa sabedoria – “eu mesma me alfabetizei, eu mesma fiz todas as universidades do mundo” -, foi escritora e, dentre vários artigos, publicou também dois livros:  “Caroço de Dendê – A Sabedoria dos Terreiros” e “Histórias que minha avó contava”. Foi tema de tese do doutorado de Glória Cecília de Souza Filho pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (“Os Fios de Contos, de Mãe Beata de Yemonjá – Mitologia Afro-brasileira e Educação”).

Presidenta de honra da Criola, a notável defesa de Mãe Beata pela vida das mulheres negras é o nosso legado. Ela ainda foi conselheira da Renafro (Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde) e integrante do MIR (Movimento Inter Religioso).  Na comunidade, a yalorixá desenvolveu várias ações sociais: apoio a pessoas vivendo com HIV/AIDS, apoio a mulheres em situação de violência doméstica, apoio à infância, apoio à juventude para que todas e todos pudessem completar a educação e frequentar universidades, além do apoio a toda população LGBT. “Tento sempre juntar as duas forças: ser mulher e ser negra. Adoro ser como sou”, afirmou em outro de seus últimos depoimentos.

Crédito da foto: Mídia Ninja

Assista:

https://globosatplay.globo.com/canal-brasil/v/4037781/

 

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