30/03/2023

Saúde pública: pesquisa mostra que mulheres negras e pobres do Norte e do Nordeste são as que mais realizaram aborto por repetição

74% delas eram negras, indica a nova Pesquisa Nacional de Aborto 2021. Mais de 40% foram hospitalizada para finalizar o aborto.  

Sem dinheiro, planejamento reprodutivo e convivendo com o medo. Esse é a realidade para milhares de jovens e mulheres no Brasil que precisam recorrer ao aborto para interromper uma gravidez. A vulnerabilidade, segundo a Pesquisa Nacional de Aborto, edição de 2021, realizada pela Universidade de Brasília (UnB) e Instituto Anis, está mais presentes entre as mulheres do Norte e Nordeste. Elas são, em sua maioria, negras.

Diante da emergência do tema, Criola conversou com a pesquisadora em Saúde Pública Emanuelle Góes (CIDACS/Fiocruz/Bahia). “Essa pesquisa traz a dimensão de como essas regiões apresentam mais desigualdade no que se refere às barreiras vivenciada pelas mulheres, como acesso ao serviço de saúde reprodutiva, planejamento reprodutivo, realização do aborto legal e do aborto clandestino, seja ele seguro ou inseguro”, destaca.

A pesquisa indica que 52% do total de mulheres que abortou tinha até 19 anos quando passou pelo procedimento. Destas, 46% eram adolescentes a partir dos 16 anos e 6% tinham entre 12 e 14 anos. Apesar da legislação brasileira considerar estupro de vulnerável qualquer tipo de ato libidinoso ou sexo com menores de 14 anos, o que se vê na prática é a dificuldade de acessar esse direito nos serviços de saúde. O exemplo mais recente aconteceu no Piauí, onde de uma garota de 12 anos, grávida pela segunda vez após um estupro, teve um defensor público nomeado para atuar em favor do feto por uma juíza da vara de Infância e Juventude de Teresina.

Os dados confirmam o que organizações que lutam por direitos sexuais e reprodutivos de meninas e mulheres, como Criola, afirmam há tanto tempo: a criminalização do aborto não impede sua realização e, na prática, violenta e mata crianças e adolescentes negras que, muitas vezes, não conseguem acessar o aborto nos poucos casos permitidos por lei, como em caso de violência sexual.

Em março, Criola participou da audiência sobre Direitos reprodutivos e violências contra mulheres e meninas no Brasil, realizada pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, em Los Angeles (EUA). Na ocasião, citou a violência sexual contra meninas e mulheres como uma das situações que foram agravadas com a pandemia da Covid-19.

Durante o evento, que pode ser relembrado neste link, lembramos que a interrupção e recusa na prestação de serviços de saúde reprodutiva, incluindo a assistência ao aborto legal nos serviços públicos de saúde, comprometeu o acesso aos serviços de saúde pelas vítimas de violência sexual. No Brasil, uma pessoa é vitima de estupro a cada oito minutos, sendo a maior parte das sobreviventes do sexo feminino, 85,7%. Destas, 52% são mulheres negras e 57,9% tem ate 13 anos. Os dados mostram a necessidade de implementação de políticas públicas para acesso eficaz dos direitos da saúde sexual e reprodutivo às meninas e mulheres negras.

 

Justiça Reprodutiva

Para a Emanuelle, os resultados evidenciam a dificuldade das mulheres negras acessarem os métodos contraceptivos e o planejamento reprodutivo, além de demonstrarem os contextos desfavoráveis a que estão inseridas “para precisar realizar e decidir pela realização de aborto e a sua repetição num curto tempo”.

A pesquisadora afirma que é fundamental que o movimento de mulheres negras continue olhando para essa pauta, e que aprofunde o debate a partir da Justiça Reprodutiva. “Precisamos olhar esses resultados e aproveitar e fazer a discussão a partir da dinâmica do racismo que impacta desde nossas decisões reprodutivas: a procura pelo serviço, essa trajetória na adolescência que leva às violências sexuais, e como tudo isso se soma para chegar nesses desfechos desfavoráveis no que se refere à saúde reprodutiva”.

Quer saber mais sobre Justiça Reprodutiva e sua estratégia? Leia o Dossiê Mulheres Negras e Justiça Reprodutiva publicado por Criola!

O artigo sobre a Pesquisa Nacional de Aborto – 2021 está disponível no site da Revista Ciência & Saúde Coletiva, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Por Ariene Rodrigues, de Criola.

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