06/05/2019
Contra a violência no Campo – Nota de Posicionamento
Não é de hoje que o Presidente Bolsonaro utiliza-se do discurso da segurança para sustentar posicionamentos em geral violentos e insuflar o ódio entre grupos. Isto por si só, mostra que o Presidente carece mesmo reconhecer o lugar que ora ocupa e as atribuições que lhe são devidas. Ao anunciar que encaminhará para a Câmara Federal um projeto de lei, que dá ao proprietário rural total liberdade para atirar em caso de invasão da sua propriedade sem que isto incorra em punição, está efetivamente defendendo e concedendo licença para matar. Como se não bastasse, ao dizer que esta “é uma maneira de ajudar a combater a violência no campo”, está atestando que seu governo não tem política pública efetiva de segurança, e que um dos caminhos é armar a população e terceirizar a segurança de forma ilegal.
Nenhum país se afirma enfrentando questões sociais como é o caso da concentração da terra e de riquezas com ações de combate armado, nem com o uso da força policial e muito menos com a divisão da sociedade entre os que merecem viver e os que não merecem viver, sendo que os que têm direito à vida são os proprietários e os que não têm direito à vida são os camponeses/as sem terra ou os grupos que lutam por terra e território. Esta é a lógica defendida pelo atual governo, uma vez que trata movimentos e grupos de luta social pela terra e território como invasores, mas ao mesmo tempo é leniente e fecha os olhos para outros grupos, fazendeiros e grileiros que invadem e exploram propriedades públicas ou áreas de reservas ambientais. A luta pela terra e pelo território é legítima, portanto, os movimentos sociais organizados, camponeses e camponesas sem terra, têm todo o direito de reivindicar sim a Reforma Agrária e de ocupar toda e qualquer área improdutiva, assim como também os povos indígenas e comunidades tradicionais tem direito aos seus territórios. Neste sentido, não é aceitável e plausível que um governo em regimes democráticos tome partido autorizando e fomentando que proprietários usem da força e da violência para enfrentar aqueles que lutam de forma legítima por seus direitos.
A Constituição Federal é claríssima em dizer que a propriedade é um direito. No entanto, a Constituição também diz que a terra deve ter função social. Portanto, quando movimentos e grupos de luta pela terra e por território se organizam para lutar contra a concentração agrária ou pela garantia de seus territórios, eles estão lutando para que a Constituição seja respeitada. A defesa da propriedade privada não está acima do direito dos camponeses e das camponesas viverem dignamente, ou dos povos indígenas e comunidades tradicionais produzirem e reproduzirem seus meios de vida. Há um princípio ético e humanista que defende que a concentração de terra torna-se imoral sempre que esteja descumprindo o princípio maior da sua função social, o que, portanto, se sobrepõe ao sentido da propriedade privada em si mesma.
Por fim, o presidente não pode subtrair do Estado, o poder de dirimir os conflitos, de investigar, de julgar, de punir, incentivando a “justiça com as próprias mãos”, quando desloca para o cidadão o poder “de se defender”. Sob este aspecto a Constituição Federal não garante salvaguarda a nenhum cidadão sob hipótese alguma. Dizer que proprietários de terra estão autorizados a atirar atenta contra todos os princípios civilizatórios, além de constitucionais. Nenhum cidadão está acima da Lei. Segundo a Constituição de 1988, o que nos rege é o princípio da igualdade.
É assustador e estarrecedor o fato da autoridade máxima do país declarar que proprietários de terras estão livres para atirar. O presidente Jair Bolsonaro está insuflando ódio e incitando a sociedade brasileira ao conflito. Aos que comemoram tal declaração, é importante que considerem que a afirmação do presidente Jair Bolsonaro coloca os proprietários de terra na ilegalidade. Isso porque, mesmo que o presidente diga que podem atirar, a legislação do Brasil continua dizendo que a prática do crime deve ser penalizada. Desde já manifestamos nossa posição contrária a proposta de mudanças que quer inserir o excludente de ilicitude na lei penal brasileira!
Mais do que nunca precisamos fortalecer nossas convergências contra a violência no campo e em todos os lugares!
Brasília, 30 de abril de 2019.
Assinam:
Ação dos Cristãos para Abolição da Tortura – ACAT Brasil
Articulação para o Monitoramento dos DH no Brasil
Articulação Semiárido Brasileiro em Sergipe – ASA Sergipe
Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG
Associação Brasileira de Reforma Agrária – ABRA
Centro de Defesa de Direitos Humanos Marçal de Souza Tupã-i/MS
Centro de Direitos Humanos de Sapopemba
Centro de Defesa dos Direitos Humanos e Educação Popular do Acre – CDDHEP
Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social – CENDHEC
Centro Dom José Brandão de Castro – CDJBC
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Coletivo de Usuários do SUAS – REDESUAS Sergipe
Coletivo Popular Direito à Cidade/Porto Velho – RO
Comissão de Direitos Humanos de Passo Fundo – CDHPF
Comissão Pastoral da Terra – CPT
Comissão: Regional de Justiça e Paz De Mato Grosso do Sul – CRJPMS
Conselho Nacional do Laicato do Brasil na Arquidiocese de Aracajú
CRIOLA
FIAN Brasil
Fórum da Amazônia Ocidental – FAOC
Fórum Ecumênico ACT Brasil
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça Social – FMCJS
Instituto Braços – IB
Instituto de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – IDHESCA
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
Parceiros de MISEREOR no Brasil
Pastoral Carcerária do Estado do Ceará
Pastoral Carcerária do Estado do Sergipe
Processo de Articulação e Diálogo – PAD
Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH
SOS Corpo – Instituto Feminista para Democracia