05/12/2024

Caso Mães de Acari: em decisão histórica, Corte Interamerica de Direitos Humanos da OEA anuncia sentença que considera o Estado Brasileiro culpado

Na tarde de ontem, 4 de dezembro de 2024, acompanhamos de perto um momento aguardado: a Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou que o Estado Brasileiro cumpra uma série de medidas a favor das famílias das onze vítimas da Chacina de Acari, ocorrida em 1990, no Rio de Janeiro. Dentre as recomendações estão a reparação indenizatória, emissão das certidões de óbito, criação de um espaço em memória das vítimas, apoio psicológico aos familiares, além do reconhecimento do desaparecimento forçado e da implementação de políticas públicas de combate à atuação de milícias. A sentença deve ser entregue à Ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo dos Santos, na próxima semana. Participaram da audiência, realizada na sala da ONU (Organização das Nações Unidas), na OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), representantes do movimento Mães de Acari, de Criola, do Projeto Legal e da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ. 

Quem são as “Mães de Acari” e como chegamos à sentença? 

O crime, conhecido como Chacina de Acari, mobilizou o movimento Mães de Acari logo após o desaparecimento de 11 pessoas, sequestradas por um grupo de extermínio no município de Magé, na Baixada Fluminense, em 1990. Os corpos nunca foram encontrados e, 34 anos depois, a grande maioria das famílias não obteve o direito à emissão das certidões de óbito das vítimas.  As Mães de Acari abriram caminhos para a luta contra o extermínio das juventudes negras e violência policial. Saiba mais aqui.  

Em 2006, o caso foi apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por meio do Projeto Legal. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos determinou uma série de recomendações ao Estado Brasileiro, que não foram cumpridas. Em decorrência disso, o caso foi levado à Corte Interamericana de Direitos Humanos, instância superior. Em 12 de outubro de 2023, o caso passou por audiência pública, após 33 anos de busca por justiça. Mães e familiares estiveram presentes. Relembre e compartilhe

Rosangela da Silva, irmã da vítima Luiz Henrique da Silva Euzébio e filha de Edmea da Silva Euzébio, uma das fundadoras do movimento Mães de Acari que foi executada três anos após o desaparecimento, comentou a sentença. ‘’Meu sentimento hoje é de nascimento do meu irmão. Porque foram 34 anos sofrendo, correndo atrás, indo e voltando sem nenhuma solução. Hoje, a gente teve uma resposta positiva, mas tivemos que recorrer a um órgão de fora. Vamos seguir buscando justiça aqui no nosso país também”, declara.  Vale lembrar que, em abril deste ano, a Justiça do Rio de Janeiro absolveu os acusados pela execução de Edmea e Sheila da Conceição, sua sobrinha. 

Lúcia Xavier, coordenadora geral de Criola, que acompanha o movimento Mães de Acari desde a sua fundação, destacou a importância da sentença para o país. “Além do reconhecimento da legislação do desaparecimento forçado, a decisão vai fortalecer uma política, não só de segurança pública, mas de cuidado, de saúde, de suporte aos familiares que viveram essa tragédia. É uma correção dos rumos da política do Estado contra violências desse tipo. Não podemos normalizar o desaparecimento forçado e, para romper com isso, o Estado Brasileiro precisa pôr um ponto final nessas práticas tanto institucionalizadas, quanto aquelas realizadas por grupos armados como a milícia e o crime organizado”, afirma. 

Desaparecimento forçado ainda não é reconhecido pela legislação brasileira 

Internacionalmente, o  termo se refere a quando forças estatais negam ter a vítima sob sua custódia, privando-a da proteção da lei. Apesar de não ser reconhecido pela legislação brasileira, segundo o boletim Desaparecimentos Forçados na Baixada Fluminense- Violações, Genocídio e Tortura, produzido pela organização Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, divulgado em 2023, 25% dos desaparecimentos forçados acontecem na Baixada Fluminense, no comparativo com todo o estado do Rio de Janeiro.   

Para o presidente da Comissão de Direito Internacional da OAB-RJ e parceiro de Criola, Carlos Nicodemos, a sentença é histórica, pois abre precedente para que haja esse reconhecimento por parte do Estado Brasileiro. “A decisão abrange outros casos, sendo referência para demarcar vários temas no campo dos direitos humanos. A determinação da Corte certamente vai ter uma repercussão positiva para reordenar as políticas no Brasil. É uma sentença que conseguiu se atualizar e enfrentar temas, como o da milícia, por exemplo, que não existiam em 1990”, afirma Nicodemos.  

O que queremos agora? Justiça na prática! 

Na sentença, divulgada ontem, a Corte ordena que o Estado brasileiro cumpra onze medidas de reparação. Entre elas estão a continuação das investigações sobre o paradeiro dos onze adolescentes, atenção médica e psicológica às vítimas, criação de um memorial às vítimas no território de Acari, diagnóstico sobre milícias e grupos de extermínio no Rio de Janeiro.  

A sentença e medidas indicadas são relevantes, mas é preciso que se tornem ações concretas. É dever do Estado trazê-las à prática e é nosso dever pressionar para que o movimento aconteça. Exigiremos que o Estado brasileiro assuma sua responsabilidade na reparação e, sobretudo, na construção de medidas duradouras, que protejam nossas vidas e impeçam novos casos. O que aconteceu em Acari, também aconteceu em Manguinhos, Jacarezinho e em tantos outros lugares. A base para tudo isso é o racismo patriarcal cisheteronormativo que opera livremente no país e segue nos impedindo de viver.

Por Bem Viver e justiça real, seguiremos. 

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