25/10/2024

Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra 2024: em defesa do SUS, com equidade e participação popular

Diferentes organizações do movimento negro preparam-se nos vários estados da federação, para o Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra

A data, criada em 2006 pela sociedade civil, busca a ampliação do debate sobre a promoção da equidade em saúde, uma vez que o racismo é considerado uma importante determinação social que impacta a saúde da população negra brasileira. Nesse cenário, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra – PNSIPN em 2006, mas que foi institucionalizada via Portaria 992, pelo Ministério da Saúde, apenas em maio de 2009. O tempo político das instituições não dialoga com as necessidades básicas e fundamentais da população negra, a maior parcela de usuários do SUS, conforme diferentes relatos. Segundo as lideranças do movimento negro, não há vontade política, para o enfrentamento ao racismo, sobretudo no campo da saúde, pois, a ideia de que somos todos iguais prevalece em alguns dos discursos e narrativas que contribuem, por exemplo, para o aumento da mortalidade materna entre as mulheres negras (duas vezes maior do que entre as mulheres brancas), o não acesso da população negra à bens, recursos e serviços, além de inúmeros outros indicadores que não se alteram de forma positiva para essa população historicamente. 

Para além da mortalidade materna, faz-se importante destacar como as ausências promovidas pelo Estado na efetivação de políticas públicas de saúde para a saúde da população negra reverberam no cotidiano do nosso povo. De acordo com os dados produzidos pelo Ministério da Saúde, no Boletim Epidemiológico Saúde da População Negra (2023), a população negra ocupa a maior porcentagem de óbitos dentre as IST como, sífilis (59%), sífilis congênita (75%) e AIDS (61%), assim como em casos de agravos provocados por violências de diversas ordens.

Para diferentes pesquisadores que atuam na área, lideranças de movimentos sociais e os profissionais de saúde com quem dialogamos, são inúmeros os desafios relacionados à implementação da PNSIPN: há um sucateamento do sistema, que segue crescente, ao mesmo tempo em que o debate, modernizado, avança para a busca por saúde única, marcada por intensas desigualdades de acesso ao próprio sistema; a saúde digital que tem sido apresentada de forma milagrosa atropela os desafios concentrados em meio aos trinta anos da Estratégia Saúde da Família e a necessária atenção primária que não tem sido porta de entrada de fato, dos inúmeros casos que assistimos em diferentes cantos deste país. A desvalorização dos profissionais de saúde segue de forma gritante nos estados e municípios, como um tema empurrado para debaixo do tapete, uma vez que o concurso público e a qualificação dos profissionais dão vez à transferência de recursos para as Organizações Sociais, por vezes colocadas em situações de gestão.

A disputa continua pelo sistema de saúde e seus recursos também compõem a lista dos desafios desse país, que alimentam os entraves para o avanço do sistema.   

Em meio aos inúmeros desafios, questiona-se: quais são as ações práticas do Ministério da Saúde para o enfrentamento à tuberculose junto à população negra brasileira, e como disso dialoga com as questões sócio-históricas ainda presentes na sociedade; como atuam as redes de atenção à saúde nos municípios que não implantaram a PNSIPN, considerada lei no Brasil (Portaria 992 de maio de 2009 e Lei 12.288, de 20 de julho de 2010, que institucionaliza o Estatuto da Igualdade Racial). É preciso também, indicar quais são os exemplos de atuação replicáveis, considerando fatores como área, território, densidade populacional, entre outros. E diante da intolerância religiosa e o racismo religioso crescentes, é preciso avaliar quais são as estratégias e políticas públicas para o fomento da PNSIPN junto aos territórios de matriz africana, responsáveis, por exemplo, pelo modelo de promoção da saúde e cuidado que atende as pessoas antes delas chegarem ao sistema de saúde, sempre excludente.

Com o avanço das mudanças climáticas, a população negra tem sido a mais afetada pelas ondas de calor extremo, secas, enchentes e proliferação de animais vetores de doenças. Todo o cenário de iniquidades em saúde se agrava ao refletir os graves impactos das crises climáticas e da vulnerabilidade ambiental que atinge a população negra no Brasil. 

Para além das arboviroses e outros agravos em saúde, os desastres ambientais produzem empecilhos para o acesso a serviços essenciais para a restauração de mínimas condições de vida, saúde e cidadania.  

Em artigo recente, Gercídio da Universidade Federal de São Carlos, nos diz que “(…)a crise climática é um determinante social relevante e que deve ser pensando de forma integral com a saúde da população negra, pois os efeitos na saúde já são visíveis, 70% dos trabalhadores no mundo estão expostos a riscos de saúde relacionados às mudanças climáticas, segundo estudo da International Labour Organization. Em 2020, primeiro ano da pandemia de Covid-19 no Brasil e ano de inúmeros retrocessos na legislação ambiental, registramos a marca nacional de aumento de 70% no registro de mortes por doenças respiratórias entre pretos e pardos”.

Mônica Aguiar, do Centro de Referência da Cultura Negra de Venda Nova (Minas Gerais) aponta que é preciso refletir sobre até quando mulheres vão morrer por falta de assistência específica? se você que tem doença hereditária, tem a assistência devida no SUS? cadê o recurso para partos humanizados no SUS?

Nessa mesma linha, James Berson Lalane, da Frente Nacional pela Saúde de Migrantes, nos diz no artigo “A população negra paga, trabalha, mas não se beneficia” que “o sistema tributário brasileiro é altamente regressivo, significando que os mais pobres – entre os quais a população negra está desproporcionalmente representada – pagam mais impostos, especialmente sobre o consumo. De acordo com o estudo Tributação no Brasil e Desigualdade (IPEA, 2019), as famílias negras de baixa renda gastam, em média, 25% de sua renda com impostos indiretos, como o ICMS, que financiam diretamente o SUS e outros serviços públicos. Enquanto isso, as famílias mais ricas, majoritariamente brancas, comprometem apenas cerca de 10% de sua renda com esses mesmos tributos. Esse sistema fiscal injusto faz com que a população negra seja uma das principais financiadoras do SUS, mesmo que tenha menos renda e oportunidades do que os demais grupos. Contudo, o retorno dessa contribuição tributária não se reflete em melhorias no acesso à saúde para essa população.

Com a proximidade do Dia Nacional de Mobilização Pró-Saúde da População Negra, o debate gira em torno do pleno funcionamento do sistema de saúde, e as ações reúnem os esforços da articulação estabelecida entre Criola, Fórum Paulista de Saúde da População Negra, Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde – RENAFRO, Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ, Associação Cultural de Mulheres Negras do Estado do RS – ACMUN, Frente Nacional pela Saúde de Migrantes – FENAMI, Rede de Mulheres de Comunidades Tradicionais, Centro de Referência da Cultura Negra de Venda Nova, e Casa Marielle Franco Brasil

Entre as ações, estão previstas campanhas virtuais, audiências públicas, seminários, panfletagens, feira de saúde, rodas de conversa, e outras atividades em que lideranças políticas em diferentes estados devem dialogar com a sociedade, a partir das diferentes análises, reivindicações e propostas para o avanço do SUS. 

Confira aqui, algumas das atividades que acontecerão pelo país. 

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Contatos:
Thiago Araújo (São Paulo) e Regina Cardoso (Sorocaba) – Coordenação Executiva do Fórum Paulista de Saúde da População Negra
E-mail: articulacaospn@gmail.com

Élida de Aquino (Rio de Janeiro) – Coordenação de Comunicação em Criola
E-mail: comunicacao@criola.org.br

Mônica Aguiar (Minas Gerais) – Centro de Referência da Cultura Negra de Venda Nova
E-mail: monicaguird43@gmail.com

Ana Léia Moraes Cardoso (Belém) – Coletivo de Saúde da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas – CONAQ
E-mail: analeiamoraescardoso@gmail.com

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