24/05/2024

Escolhas políticas criminosas para eventos climáticos extremos: até quando o estado do Rio Grande do Sul irá ignorar as águas?

Em dez dias de maio deste ano o estado do Rio Grande do Sul desafiou médias históricas e choveu o que estava previsto para o ano todo. Esta condição climática já era sabida. Não estou falando da condição climática apenas das últimas semanas de 2024, mas de estudos robustos que foram entregues ao governo contendo alertas e sugestões de estratégias para enfrentar as diversas enchentes, as quais foram cientificamente apontadas como reais e cada vez mais frequentes. Historicamente, o estado possui um padrão de décadas de ocupação territorial baseadas no desmatamento a partir de grandes plantações, fazendo com que outras formas de vegetação, até mesmo os pampas, não sejam ampliadas e encontradas. Sendo assim, quando a chuva chega não encontra a vegetação e, consequentemente, não existe barreira para ela avançar. O desastre que impactou nosso estado não teria sido evitado com uma ou outra medida aplicada meses atrás porque a necessidade de movimentação é maior e exige estratégia, compromisso e investimento. É necessário que o Rio Grande do Sul realize manejos políticos de médio e longo prazo como, por exemplo, das bacias hidrográficas através de áreas florestadas por área nativa e diminuição de processos erosivos. 

De acordo com o MAP Biomas Brasil, nos últimos 37 anos o bioma do estado perdeu o equivalente a 70 vezes a área do município de Porto Alegre. Exemplos desse desmantelamento são as mudanças recentes no Código Estadual do Meio Ambiente que incluem, por exemplo, sanções de construção de barragens em áreas de preservação, entre outras medidas aprovadas. Este cenário demonstra que o governo opera como bem quer ignorando todas as previsões dos desastres climáticos que chegaram e chegarão a nossa terra. A escolha de continuar mantendo interesses políticos é mostrada de maneira prática quando nos dias que antecederam o início das enchentes a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) envia ao governador Eduardo Leite (PSDB) um ofício com o seguinte título: “Alerta ao Estado do Rio Grande do Sul e ao Governador do Estado”, contendo textos sobre os diversos alertas emitidos há várias décadas e nada de efetivo foi realizado a partir deste documento.   

Visto o cenário atual, é necessário primeiro estancar as atividades e escolhas que estão causando o aumento da crise climática do estado para depois realizar planos de reversão, caso contrário, poderemos chamar as medidas apenas de paliativas e aguardar os próximos alertas de evacuação chegarem em algumas semanas. Porém, o governo do Rio Grande do Sul continua na contramão da ecologia e envergonha uma população que já possuiu uma legislação ambiental precursora de leis ambientalistas em todo o Brasil no qual outros estados, inclusive a própria legislação nacional, se basearam. O que lemos e vivenciamos atualmente é um governador que celebra ter um investimento orçamentário de 115 milhões de reais para enfrentamento de eventos climáticos para 2024, chamando-o de robusto, quando na verdade isso representa menos de 0,2% do orçamento total aprovado. 

Engana-se quem pensa que as enchentes de grande impacto territorial vão voltar apenas em 83 anos, como foi o período entre a última e a atual. Pelo contrário, segundo o instituto de Meteorologia (InMet) existem aumentos das precipitações nas últimas décadas indicando que eventos dessa magnitude vão ser mais frequentes e mais impactantes. É necessário urgentemente uma gestão política que se prepare para eventos previsíveis e produza condições para enfrentar tais desafios longe da inoperância atual devido, majoritariamente, a escolhas neoliberais. As dúvidas são dolorosas e revoltantes, entre elas: toda catástrofe a população será incentivada a realizar pix pro governo guardar o dinheiro junto a entidades privadas? Enviarão alertas de evacuação quando a água já toca os calcanhares? Deixarão casas de bombas sem manutenção por anos? Continuarão ignorando as necessidades específicas das populações negras, indígenas e quilombolas?

Anseio que tenhamos respostas acompanhadas de um planejamento orientado por estudos técnicos e pareceres científicos, vinculado a investimento em fontes renováveis de energia, melhoria do sistema de transporte e limitação da expansão do agronegócio. As saídas para essa catástrofe climática e política estão no terreno da luta política e enfrentamento do modelo de gestão do nosso estado a partir de um voto consciente. Precisamos reconstruir o estado de maneira diferente. Já sabemos onde chega o nível do rio. Ele já nos avisou. Irão seguir ignorando as águas?

Relato de Annelise Borges, líder de projetos em Criola e moradora do Rio Grande do Sul atuando na linha de frente do desastre climático no estado.

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