06/02/2021

Na corrida por uma vaga na universidade, o racismo ainda é um grande obstáculo

Imagine uma corrida de rua de 10 km em que seus adversários começam os primeiros 20 minutos em vantagem por terem tido mais tempo de treino e dedicação exclusiva para isso. Apesar de não ser impossível, a possibilidade de uma virada é mais difícil. Esse “correr atrás” do tempo perdido é a realidade de milhares de estudantes dos prés-vestibulares comunitários e populares espalhados por todo o Brasil –e foi assim que estudantes do Núcleo
Independente e Comunitário de Aprendizagem, no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, começaram sua preparação para o Enem 2020.

“Infelizmente o ingresso de pessoas pretas nas universidades não é tão proporcional quanto a inserção de brancos elitistas. Até porque eles sempre estão a dois, três passos de nós. Isso quando não burlam o sistema e tomam o
lugar da pessoa cotista, o que, com certeza, já é um dos meios de atrapalhar a entrada do que é nosso por direito”, conta a futura jornalista Thagata Patrine, 24 anos e estudante do NICA- Jacarezinho.

Luan Ribeiro, coordenador do pré-vestibular comunitário criado em 2019, conta que a “rua”, que é a preparação para o ENEM 2020, nem sempre está em melhor estado para os alunos e alunas de favelas e periferias e que os
obstáculos estão fincados faz tempo durante esse percurso.

“Nossos alunos são atravessados pelo racismo estrutural desde o berço e em um ano eles têm que se igualar a todos os outros concorrentes por conta do Enem. Eles sofrem com a má formação escolar e intelectual, a falta de capital
cultural e uma questão de autoestima, que, talvez, outros alunos não tenham que lidar”, explica Luan Ribeiro coordenador do NICA-Jacarezinho.

Segundo Luan, foram 200 inscritos no início de 2020 para as 30 vagas oferecidas pelo NICA. As aulas presenciais chegaram a acontecer por alguns dias, mas o isolamento social imposto pela Covid-19 mudou rumo de tudo e de
todos. As aulas precisaram ser virtuais e ao vivo, mas só puderam recomeçar em maio. O número de estudantes admitidos e admitiadas cresceu para 40 e a parceria com uma operadora de telefonia permitiu um reforço de dados em chips que abriram as telas dos celulares para o conhecimento. O que não impediu a evasão de estudantes, como ocorre em todos os pré-vestibulares comunitários, e outro fator que ainda hoje define e balisa oportunidades: a cor
da pele.

“Dos nossos alunos, 84% deles são negros e muitos têm as portas fechadas por serem quem são. Precisamos da sociedade civil e outras organizações para escutarem nossas demandas e necessidades. Nossos alunos precisam de
emprego e renda, alguns inclusive sustentam a família sendo um Jovem Aprendiz e ainda assim vêm estudar com a gente à noite”, conta Luan.

A realidade dessa corrida para conquistar o acesso à universidade não varia muito de uma região para outra do Brasil. Em Natal, capital do Rio Grande do Norte, por exemplo, o Emancipa, curso popular destinado a alunos e alunas de escolas públicas mostra que a preparação é desigual.

“Enfrentamos diversas dificuldades na continuação das aulas de forma remota, devido ao acesso escasso dos alunos à internet, à necessidade de alguns precisarem trabalhar e não terem tempo de se dedicarem às aulas, dentre outras necessidades de sobrevivência que são prioritárias”, explica Jaciara Araújo, de 30 anos, coordenadora do curso.

Jaciara também apontou o racismo estrutural como um grande obstáculo na preparação dos alunos de Natal. E os desafios não terminam quando eles conseguem cruzar a linha de chegada. “É importante lembrar que o acesso é apenas um passo dado, permanecer na universidade também constitui uma dificuldade bastante acentuada para a população negra e indígena, pois, apesar de alguns progressos, esse espaço ainda é hegemonicamente branco e, consequentemente, racista”, pontua ela.

As dificuldades de conseguir ocupar as salas de aula das universidades vêm sendo transpostas desde 2003, quando políticas públicas de inclusão educacional foram adotadas e criaram as leis de cotas, o ProUni e o Financiamento Estudantil (FIES), mas ainda são grandes. O Censo da Educação Superior de 2019 indica 8,6 milhões de estudantes matriculados no ensino superior no Brasil e, segundo a pesquisa “Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil”, do mesmo ano, feita Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pela primeira vez alunos negros e pardos são maioria nas universidades (50,3%) e superou a taxa de estudantes brancos. No entanto, para Jaciara, ainda é longa e tortuosa a estrada para que todas e todos tenham direitos iguais nessa corrida pela entrada na universidade.

“Ainda falta muito para chegar nesse nível de igualdade, pois para isso seria necessário o fim do racismo, o que vejo como algo bastante longínquo”, explica ela.

 

Esta matéria faz parte da iniciativa Toda Friday é Black;, um movimento aberto a todas e todos que querem combater as desigualdades raciais impostas pelo racismo estrutural. Todas as sextas-feiras para nós, é dia de
consciência negra. Junte-se à Anistia Internacional na luta para acabar com as violações de direitos da população negra.

 

Saiba mais: www.todafridayeblack.org

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