17/03/2022

Projeto de Criola pauta a vivência de mulheres negras encarceradas e em prisão provisória

Iniciativas debatem os impactos do sistema prisional na vida de mulheres negras trans e cis, e de suas famílias e comunidades

Palavras podem transformar vidas. Podem inspirar, dar motivação, mas também podem representar violências que deixar marcas difíceis de serem esquecidas. “A gente apanhava e ouvia ‘quem mandou nascer assim?’”, conta Penha de Souza, 55 anos, do  Coletiva Todas Unidas, quando lembra das violências e racismo que sofreu no cárcere. 

As lembranças desse tempo não são fáceis, mas Penha decidiu transformar essas experiências em aprendizado para outras pessoas. Ela, em conjunto com outras mulheres sobreviventes do cárcere, familiares e ativistas, vai contar suas histórias em um podcast de três episódios que serão lançados em abril. A atividade está no contexto do projeto de Criola sobre justiça para mulheres negras em prisão provisória, com financiamento do Fundo Brasil de Direitos Humanos.

A oficina de podcast da qual Penha participa reúne 14 mulheres, todas vinculadas à pauta do cárcere, seja por serem sobreviventes, familiares ou ativistas. A proposta deve dar origem a uma nova série do CriolaPOD, dessa vez debatendo o enfrentamento ao super encarceramento provisório de mulheres negras.

A iniciativa é centrada na narrativa e protagonismo dessas mulheres desde a pré-produção até a gravação dos episódios. Além das histórias vividas por Penha e outras mulheres, serão abordadas ainda a maternidade de mulheres negras no cárcere e re-sentença da mulher apenada.

Mas o podcast não é a única ideia de Penha. Ela conta que está escrevendo um livro sobre essas passagens. “Eu preciso contar isso não só para vocês, mas para outras pessoas, porque eu dei a volta por cima”. 

As oficinas teóricas e práticas foram concebidas e estão sendo realizadas por Criola com apoio das jornalistas Aldenora Cavalcante e Amanda Lino.

 

Uma nova perspectiva de luta: pelo Bem-Viver, Justiça Racial e Justiça Reprodutiva

O sistema prisional sempre foi um mecanismo de controle e reprodução do racismo patriarcal cisheteronormativo que recai, principalmente, sobre as mulheres negras, seja pelo seu aprisionamento ou de seus familiares. A coordenadora do projeto em Criola, Lia Maria Manso Siqueira, explica que essa violência não começa com a prisão, mas pela não realização da justiça nos mais diversos contextos da vida dessas mulheres. 

“É através do Sistema de Justiça Criminal, mas também é pela falta de realização de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, pelo não acesso aos direitos sexuais e reprodutivos, ou pela própria violência de gênero”, explica. 

Nos últimos anos houve uma escalada do encarceramento baseado na legislação de drogas, que passou a ser utilizada como mecanismo e técnica do Estado brasileiro para ampliar o aprisionamento de pessoas negras, em especial de mulheres, bem como para estender a gravidade da punitividade para condutas sem violência e grave ameaça.

Segundo Lia, “a legislação de drogas aplicada pelo sistema de Justiça Criminal é mais um instrumento de injustiças, segregação racial, violência e morte. Para ser vista como usuária ou traficante ou associada ao tráfico, o mais determinante não é a quantidade de drogas, mas o CEP e a cor”. Os sistemas de Justiça Criminal e Prisional, inflados pela Lei de Drogas, têm inovado negativamente e levando cada vez mais mulheres negras ao encarceramento, principalmente no contexto de prisão provisória. 

Ela explica que Criola tem incidido em ações anti-cárcere porque é necessário denunciar e compreender o seu funcionamento para pensar outras formas de sociabilidade não baseadas no controle de vida, mas na promoção do Bem Viver, da Justiça Racial e da Justiça Reprodutiva. “Essas são chaves importantes para debater sobre desencarceramento. Inclusive para que mulheres encarceradas possam falar sobre a sua sobrevivência e possam virar a chave sobre o histórico de violência que tem seu ápice no sistema prisional”, afirma a coordenadora.

Além do podcast, entre as ações previstas pelo projeto estão a incidência junto ao Legislativo e Executivo, Sistema de Justiça e diretamente com a sociedade, mostrando as necessidades, pautas e destacando lutas, bem como arrecadando itens que possam ser distribuídos entre a população carcerária feminina e de homens trans.

Apesar da assistência material e à saúde serem responsabilidade do Estado, Criola compartilha dos ideais históricos da luta anti-cárcere de convocar os três poderes para enfrentar a grave situação apresentada. “As ações em campanha previstas no projeto não visam substituir a responsabilidade jurídica do Estado Brasileiro, mas evidenciar as insuficiências, violações e violências incrementadas para mulheres trans e cis e homens trans”, complementa a coordenadora da ação.

Acompanhe em nossas redes as atualizações sobre o projeto e as produções que estão sendo feitas pelas mulheres.

Por Ariene Rodrigues, de Criola

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