Considerada a primeira chacina ocorrida após o fim da ditadura militar, o caso Mães de Acari teve início em 1990, quando 11 jovens foram sequestrados por policiais militares no Rio de Janeiro e desapareceram, sem que seus corpos jamais fossem encontrados. Desde então, suas mães e familiares passaram a denunciar o crime e exigir justiça, construindo o Coletivo Mães de Acari, enfrentando ameaças, criminalização e até o assassinato de uma das líderes do movimento, Edméa da Silva Euzébio e sua sobrinha, Sheila da Conceição. Após três décadas de impunidade e negligência do Estado brasileiro,além da absolvição dos policiais acusados dos assassinatos de Edméa e Sheila, o caso foi levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, passando à Corte. Em dezembro de 2024, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, emitiu sentença histórica condenando o Brasil por desaparecimento forçado, omissão na investigação, negação de justiça e violação dos direitos das vítimas e de seus familiares. A decisão reconheceu a responsabilidade do Estado brasileiro por graves violações de direitos humanos e determinou, entre outras medidas, a reabertura das investigações, reparações às famílias e ações de memória e não repetição. A luta histórica das mães e familiares de Acari aliada às constantes violações de direitos e mortes causadas pela violência policial culminou nos "Movimentos de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado", cujas integrantes transformam, todos os dias, o luto em ação política na luta por justiça.
Das violências além do racismo no mercado de trabalho
Para aPara além do desaparecimento forçado dos 11 jovens negros da Favela de Acari, em 1990, o caso escancara camadas profundas de violência institucional, de gênero, raça e classe, que estruturam a atuação do Estado brasileiro. A omissão sistemática das instituições; o arquivamento do caso sem conclusão; a ausência de apoio estatal e criminalização de famílias defensoras de direitos humanos e familiares que buscam justiça e reparação tornou-se mais uma forma de violência: Edméia da Silva Euzébio, mãe de uma das vítimas e líder do grupo Mães de Acari e sua sobrinha Sheila da Conceição foram assassinadas em 1993 após denunciar publicamente os envolvidos, sem que o crime fosse solucionado. A ausência de políticas públicas eficazes para o enfrentamento do racismo patriarcal cisheteronormativo e da violência institucional continua a revitimizar mães e familiares, expondo a persistente impunidade e promovem ainda mais desproteção e violências contra mulheres negras.
Recomendações específicas a partir das violações analisadas no caso
Investigação, responsabilização e reparação
Assegurar a devida diligência na apuração, responsabilização e reparação de crimes contra pessoas afrodescendentes, com foco especial em mulheres negras.
Garantir que investigações e processos envolvendo pessoas negras estejam livres de discriminação e estereótipos raciais e de gênero, respeitando os direitos das vítimas e seus familiares.
Priorizar a atuação do Ministério Público em investigações com indícios de envolvimento policial.
Responsabilizar agentes policiais por abusos contra a população negra, incluindo o reconhecimento da motivação racista nos processos disciplinares, civis, penais e administrativos.
Responsabilizar juridicamente as cadeias de comando, chefias policiais e gestores públicos em casos de uso excessivo e letal da força.
Instituições e estruturas de justiça
Assegurar a independência técnica dos órgãos de perícia criminal e institutos científicos vinculados à segurança pública.
Fortalecer os mecanismos de controle interno e externo da atividade policial, com autonomia, acesso à informação e poder decisório.
Aplicar obrigatoriamente os Princípios da ONU para a Busca de Pessoas Desaparecidas, distinguindo a busca da investigação criminal.
Criar e implementar um fundo nacional de indenização para vítimas de violência estatal, com gestão autônoma, participação da sociedade civil e critérios objetivos de reparação.
Proteção e apoio às vítimas
Fortalecer programas de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, com escuta ativa e participação da sociedade civil.
Garantir atendimento psicossocial rápido, contínuo e prioritário a familiares de vítimas de violência do Estado, prevenindo revitimizações.
Adotar protocolos interseccionais no atendimento a mulheres negras vítimas de violência, com suporte financeiro, emergencial, médico e psicológico.
Assegurar indenizações financeiras justas, acessíveis e dignas a vítimas e familiares, por meio de mecanismos estáveis e independentes.
Sistema de justiça e equidade
Coletar e analisar dados sobre a experiência de mulheres negras no sistema de justiça para identificar padrões de racismo institucional.
Promover boas práticas no sistema de justiça, com enfoque racial e de gênero, e capacitação contínua de seus profissionais.
Fortalecer parcerias com movimentos de mulheres negras nos estados para ampliar o acesso à justiça.
Implementar normas que reconheçam a diversidade e removam barreiras econômicas, sociais e culturais no acesso ao sistema de justiça.
Monitorar o sistema de justiça sob perspectiva de equidade racial e de gênero, garantindo serviços acessíveis, eficazes e adequados às necessidades das mulheres negras.
Capacitar operadores do direito para elaborar decisões e documentos que considerem as dimensões de gênero, raça, identidade e orientação sexual.
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