06/03/2020

Compartilhando saberes e luta contra o racismo

José Marmo da Silva foi coordenador da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro). Um dos ativistas mais importantes da contemporaneidade no Brasil, ele era dentista, educador, pensador e foi coordenador de Criola. Com uma produção intelectual respeitável, desde 2017, ano de seu falecimento, o  legado de Marmo é protegido com afeto imenso por seu companheiro, o psicólogo Marco Antônio Guimarães. Foi dele a iniciativa de doar a coleção particular do ativista à Biblioteca de Manguinhos, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz). Um inventário que abrange cerca de 400 itens, e que registra não apenas sua trajetória, mas o avanço e as estratégias na luta por direitos da população negra e enfrentamento ao racismo.

O acervo de Marmo foi doado à Biblioteca de Manguinhos

“Ele fazia muita coisa. Falar em um legado apenas é difícil. Eu penso que são vários legados. A gente tem que partir do princípio de que estamos falando de um ativista dos direitos humanos e de um ativista em prol dos direitos da população negra. Alguém que conhecia de perto, na pele, na carne e na subjetividade e na sua integralidade quais eram os impactos do racismo. Como todas as pessoas negras brasileiras, pois o racismo atravessa a vida das pessoas, promove impactos negativos: desde pequeno até a hora que a pessoa morre. Como profissional de saúde ele resolveu focar na população negra e saúde das pessoas negras dos terreiros. Ele se preocupava muito com a juventude. Ele tinha um princípio ativo, que o impulsionava. Era o de aceitar desafios da vida e ele procurava manter os sonhos, não perder a alegria. Ele sempre dizia ‘caminhos abertos’. As lutas políticas dele em relação às injustiças, ao enfrentamento do racismo tinham esse princípio ativo, esse componente”, lembra Marco.

Para o companheiro do ativista, o traço marcante do sentimento de irmandade construiu pontes, como a atuação de Marmo em Criola. “Essa irmandade que ensinava e aprendia junto fez com que ele construísse forças representacionais, forças internas de narrativas. Também na lógica do terreiro, ele aprendeu a importância de agregar porque ele era uma pessoa que construía redes. Ele tinha muitas delas, desde sempre porque também era uma pessoa alegre, simpática e esse sentimento agregador foi aumentando muito”, explica. Para Guimarães, Marmo é “um espelho para pessoas negras e pessoas brancas também que possuam os mesmos ideais de justiça, justiça por direitos. Sendo espelho, ele pode influenciar através dos seus projetos outras pessoas a seguir o mesmo rumo, ter esperança, ter alegria. Ele criou uma metodologia que aparece concretamente em cada projeto. O material físico doado é originário de cada projeto criado por ele. Ele amadureceu e aprimorou a construção de projetos e materiais. Tudo que está lá é a parte física (material gráfico e audiovisual) de cada projeto dele e que eram a forma do Marmo viabilizar seu potencial dirigido à população negra e de terreiros”, conclui.

Homenagem

O acervo de José Marmo e sua existência sempre serão motivos para celebração. Por isso, o público poderá  conferir durante todo mês de março a exposição “Marmo: o ofá cuja voz ecoa”, que vai ocupar o hall da Biblioteca de Manguinhos, narrando um pouco da história dessa importante liderança brasileira. A abertura será em 6 de março, sexta-feira, a partir das 14h, com mesa-redonda sobre a saúde da população negra e de terreiros. Além disso, haverá apresentação musical do Afoxé Ore Lailai. 

A abertura da mostra vai contar com uma mesa-redonda com as presenças de Jurema Werneck, da Anistia Internacional Brasil; Louise Silva, representante da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro; Lúcia Xavier, da ong Criola; Mãe Nilce de Oyá, coordenadora Nacional Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro Saúde); Maria Luiza, representante da Juventude de Terreiro, da Renafro-RJ; Tekko Rasta, DJ, produtor cultural e design gráfico e um dos criadores do grupo AfroReggae; Valcler Rangel , assessor da presidência da Fiocruz e Veriano Terto, vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia).

“A ideia da exposição surgiu a partir do anseio do Icict colaborar com a iniciativa de 21 dias de luta contra o Racismo. Logo se fez uma associação com a Coleção José Marmo da Silva por conta de toda sua representatividade e simbolismo em suas ações voltadas para a população negra e de terreiros. Sentimos a necessidade de dar mais visibilidade e protagonismo a esse acervo riquíssimo, e encontramos nesse momento, a oportunidade”, explica Igor Lima, diretor da instituição.

*Crédito das fotos: acervo Marco Antônio Guimarães

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