04/04/2020

Nota de Criola: Pela abertura da maternidade Leonina Leonor Ribeiro

CRIOLA é uma organização da sociedade civil fundada em 1992 e conduzida por mulheres negras. Atua na defesa e promoção de direitos das mulheres negras em uma perspectiva integrada e transversal. Compreendemos que as mulheres negras são agentes de transformação e de enfrentamento ao racismo, sexismo, lesbofobia (discriminação contra lésbicas) e transfobia (fobia contra transexuais e travestis), contribuindo para a construção de uma sociedade fundada em valores de justiça, equidade e solidariedade. É central para nós a luta pela promoção da saúde sexual e reprodutiva de mulheres negras, e neste sentido, nos pronunciamos sobre a situação abaixo.

Em junho de 2009, em Venda Nova, região metropolitana de Belo Horizonte – MG,  ficava pronta para inauguração a  Maternidade/Centro de Parto Normal Intra-hospitalar Leonina Leonor Ribeiro, no prédio anexo à Unidade de Pronto Atendimento (UPA).

A Maternidade seria equipamento voltado ao atendimento na linha de humanização do parto[1]. Conta com seis leitos de pré-parto, parto e puerpério (PPP), com banheiras e acessórios especiais para a prática de exercícios que auxiliam pessoas gestantes durante o trabalho de parto, além de 10 leitos de cuidados progressivos para os bebês.

Sua estrutura também ofereceria enfermaria com direito à acompanhante, climatização nas salas de cirurgia/bloco cirúrgico  sala de espera, terraço para convivência, entre paciente e acompanhante, e estacionamento anexo[2].

A Central de Parto Normal custou mais de 4,9 milhões de reais[3] e se tornaria referência para o atendimento, desafogando as demais maternidades próximas do município como a pequena unidade de atendimento dentro do Hospital Risoleta Neves onde não pode ser oferecido o modelo assistencial estabelecido pela Resolução no 36, de 2008, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e que poderia ser fornecido pela Maternidade Leonina Leonor[4]

Contudo, 11 anos após a conclusão de suas obras, o referido Centro continua fechado e inutilizado sob a alegação de que faltariam recursos para o seu funcionamento[5], isto à revelia das reivindicações sociais e compromissos do poder público. A abertura da Maternidade Leonina e Leonor foi eleita prioridade pela 14ª Conferência Municipal de Saúde em 2017 e definida como a meta 4.2.4 no eixo de urgência, emergência e atendimento hospitalar no Plano Municipal de Saúde de Belo Horizonte 2018 – 2021, documento que expressa as responsabilidades da gestão municipal sobre a construção de políticas e ações de saúde a partir de um diagnóstico das condições e necessidades da população, mas segue sendo descumprido e a Maternidade permanece fechada[6].

A Região Metropolitana de Belo Horizonte, composta por 34 municípios e uma população estimada em 5.397.438 habitantes[7] constitui a terceira maior aglomeração urbana do Brasil, atrás apenas de São Paulo e Rio de Janeiro[8]. Venda Nova é distrito da referida Região e Metropolitana no Vetor norte, apresenta um total de 241.699 habitantes, sendo 51,61% mulheres e com faixa etária predominante é de 19 a 44 anos, equivalente a 68,34%. Além disto, em grande parte são elas mulheres pobres com faixas salariais predominantes de meio a 01 salário mínimo (26,38%) e de 01 a 02 salários mínimos (26,20%)[9]. Assim, atualmente grande parte da população que compõe a região de Venda Nova é de mulheres, pobres e em idade fértil/reprodutiva. Estas são as mulheres que recorrem ao Sistema Único de Saúde para atendimento pré-parto, parto e pós-parto e que são prejudicadas pelos 11 anos de Maternidade Leonina Leonor fechada!

Em agosto de 2015 formou-se o Movimento #NasceLeonina, por mulheres ativistas, usuárias, profissionais, conselheiras e parlamentares para cobrar providências. Elas acompanharam pelo menos três visitas técnicas, uma realizada em 2017, outra em agosto de 2019[10] e a mais recente em fevereiro de 2020[11] com a Comissão de Saúde e Saneamento da Câmara Municipal de Belo Horizonte. Em todas as três oportunidades foi verificado que a Maternidade encontra-se em estado de má conservação e corre riscos de deterioração[12].

Caso este equipamento de saúde para pessoas gestantes estivesse aberto, teria a capacidade para atender 350 parturientes por mês inicialmente e atualmente a expectativa seria a de que a unidade realizasse cerca de 500 partos humanizados por mês e atendesse para além do Distrito de Venda Nova, o colar do Vetor Norte[13]. Com as portas fechadas a saúde da pessoa gestante é gravemente impactada na região: mais de 70% destas que dependem do Sistema Único de Saúde tem que migrar para realizar o pré-natal e ter seus bebês em unidades de referência. 

A precarização da assistência, as desigualdades em relação à oferta de leitos obstétricos, a falta de investimentos na saúde sexual e reprodutiva, embasados pelo racismo e pelo sexismo, resultam em injustiças e violências como a peregrinação[14].

A peregrinação é forma de violência obstétrica por estar diretamente relacionada a anulação dos direitos durante o processo reprodutivo e se expressa em maior ocorrência entre mulheres negras[15] em razão da ação do racismo institucional. Esta situação traz sério risco para as vidas de gestante e de seus bebês, favorecendo os desfechos negativos do parto e o aumento dos índices de mortalidade materna e neonatal.

A abertura da Maternidade Leonina Leonor é prioritária para melhoria da assistência à saúde e também para a formação adequada de profissionais na redução da violência obstétrica, mortalidade materna que se encontra em quadro preocupante, local e nacionalmente.

As ações dos governos locais, estaduais e federais não têm sido suficientes para promover a saúde das pessoas gestante e ainda enfrentamos um contexto de retrocessos de políticas públicas e de orçamento para área de saúde da mulher ancoradas em processos de racismo patriarcal e alargamento das iniquidades e injustiças em saúde reprodutiva. Na conjuntura dos contextos locais que estes problemas de saúde reprodutiva se confirmam: é acompanhando a retomada de crescimento da mortalidade materna a partir de 2013 a 2018, de 62 para 64,4 em cada 100 mil nascidos vivos[16] e a entrada em vigor da Emenda Constitucional 95/2019, impositora de teto ao investimento no Sistema Único de Saúde, que a inatividade da referida maternidade se torna ainda mais prejudicial. A abertura da Maternidade Leonina Leonor se faz necessária e urgente!

Para fortalecer lutas como essa CRIOLA prioriza a estratégia de Justiça Reprodutiva. O direito à assistência adequada e gratuita a pessoa gestante a ser promovido pela abertura desta maternidade, integra patamar básico para o bem-viver e para reduzir as desigualdades promovidas pelo racismo patriarcal nas trajetórias de vida. Pela vida de gestantes negres, #NasceLeonina!

Crédito da foto: ALMG/ Clarissa Barçante
Foto da visita da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Assembleia Legislativa de Minas Gerais para conhecer as instalações da Maternidade Leonina Leonor Ribeiro, em 08/08/19.


[1] Ver: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/08/09/interna_gerais,890569/mpmg-pede-abertura-de-maternidade-que-deveria-estar-funcionando-desde.shtml

[2] Ver: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/08/09/interna_gerais,890569/mpmg-pede-abertura-de-maternidade-que-deveria-estar-funcionando-desde.shtml

[3] Ver: https://monicaaguiarsouza.blogspot.com/2020/02/por-monica-aguiar-o-centro-de.html

[4] Resolução disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2008/res0036_03_06_2008_rep.html e matéria com elementos técnicos em: https://www.brasildefatomg.com.br/2019/08/09/maternidades-de-bh-nao-seguem-normas-que-garantem-autonomia-na-hora-de-parir

[5] https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/08/09/interna_gerais,890569/mpmg-pede-abertura-de-maternidade-que-deveria-estar-funcionando-desde.shtml

[6] Ver o Plano Municipal de Saúde de Belo Horizonte  2018 – 2021 em: https://prefeitura.pbh.gov.br/sites/default/files/estrutura-de-governo/saude/PMS%202018-2021%20aprovado.pdf

[7] Ver dados demográficos em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Regi%C3%A3o_Metropolitana_de_Belo_Horizonte; https://pt.wikipedia.org/wiki/Demografia_de_Belo_Horizonte#cite_note-IBGE_Pop_2007-3; https://pt.wikipedia.org/wiki/Demografia_de_Belo_Horizonte#cite_note-SIDRA-4

[8] A região metropolitana da cidade é o 62º maior aglomerado urbano do mundo e o sétimo da América Latina (atrás da Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro, Buenos Aires, Bogotá e Lima) Ver dados em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Demografia_de_Belo_Horizonte#cite_note-wg-5.

[9] IBGE 2000/ adaptado CDL BH.

[10] Ver em: https://www.brasildefatomg.com.br/2019/08/09/maternidades-de-bh-nao-seguem-normas-que-garantem-autonomia-na-hora-de-parir

[11] Ver em: https://monicaaguiarsouza.blogspot.com/2020/02/por-monica-aguiar-o-centro-de.html

[12] Ver: https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/08/09/interna_gerais,890569/mpmg-pede-abertura-de-maternidade-que-deveria-estar-funcionando-desde.shtml e https://monicaaguiarsouza.blogspot.com/2020/02/por-monica-aguiar-o-centro-de.html

[13] Ver: https://monicaaguiarsouza.blogspot.com/2020/02/por-monica-aguiar-o-centro-de.html

[14] http://www.scielo.br/pdf/ean/v19n4/1414-8145-ean-19-04-0614.pdf

[15] LEAL, Maria do Carmo et al. A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil. Cad. Saúde Pública [online]. 2017, vol.33, suppl.1 [cited  2017-09-27], e00078816.

Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2017001305004&lng=en&nrm=iso>.  Epub July 24, 2017. ISSN 1678-4464.  http://dx.doi.org/10.1590/0102-311×00078816.

[16] https://revistacrescer.globo.com/Voce-precisa-saber/noticia/2019/07/mortalidade-materna-brasil-esta-cada-vez-mais-longe-da-meta-internacional.html

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