16/04/2021

#Opinião: Chega de mortes evitáveis! Vacinas pelo SUS e lockdown com auxílio de R$ 600

É preciso impedir a aprovação do PL 948/2021, que institucionaliza o fura-fila da vacinação por empresários, e garantir condições para que todas e todos possam ficar em casa

​350 mil. 350 mil amores de alguém, que partiram. Muitas dessas “partidas” evitáveis. Quantas? Não sabemos. O que sabemos é que milhares eram evitáveis. Evitáveis se fossemos um país menos desigual, sem uma condução da economia que arrasta milhões para a pobreza e enriquece alguns. Evitáveis se não tivéssemos no comando do país genocidas negacionistas que debocham da gravidade da pandemia e, portanto, da vida das pessoas que partiram e da dor de seus amores, que minimizam o uso de medidas simples como o da máscara, que se autodeclararam “médicos” para prescrever remédios ineficazes. Evitáveis se houvesse planejamento, se a experiência brasileira em enfrentar pandemias e com a vacinação em massa tivesse sido aproveitada. Evitáveis se o governo federal não se recusasse a exercer o seu papel constitucional de coordenação da política de saúde, em vez de promover ações descoordenadas que serviram de corredores para o vírus, além de contribuir para a falta de oxigênio e de medicamentos para o “kit intubação”.

350 mil mortes. Muitas evitáveis. Incompetência ou ação deliberada? A falta de coordenação adequada da maior política pública brasileira, com largo histórico de êxitos na condução da saúde em nosso país, só pode ser explicada se pensarmos que o grupo que está no poder tem a morte como projeto de nação, como instrumento de poder.

Quem está morrendo mais? Não restam dúvidas de que o vírus não escolhe onde se instalar e se reproduzir. Mas também não restam dúvidas de que, numa sociedade tão desigual como a nossa, não temos as mesmas condições para promover o cuidado individual e coletivo. Nem as mesmas condições econômicas para tanto e nem acesso a políticas públicas que nos protejam igualmente. Como exigir que se “fique em casa”, uma medida fundamental para conter a infecção pelo vírus, se a casa é a rua, ou se a própria casa não permite o isolamento e distanciamento social, como é o caso de muitos conjuntos habitacionais, sem falar nas favelas. Não temos as mesmas condições de cuidado porque estas condições refletem as desigualdades que estruturam a nossa sociedade. Basta olhar para todos os indicadores sociais, econômicos e de acesso aos serviços públicos para ver quem está no fim da fila: o povo preto e, bem no fim, as mulheres negras.

Neste contexto, falar em lockdown, por exemplo, é expor esta população a morrer de fome. Lockdown sem auxílio emergencial de no mínimo R$ 600, garantia de emprego e outras políticas de apoio, inclusive a micro e pequenas empresas, é salvar alguns e deixar a ampla maioria da população jogada ao relento e à própria sorte. Lockdown sem auxílio digno faz parte do projeto de morte.

Também faz parte da estratégia de deixar viver e deixar morrer o Projeto de Lei 948 de 2021, que altera a Lei nº 14.125, e permite a aquisição e distribuição de vacinas pelas empresas, sem obrigatoriedade de doações ao SUS. Aprovado na Câmara, o projeto seguiu para o Senado para aprovação. Apesar de parecer uma iniciativa normal de compra de insumos pelo setor privado para comercialização, essa decisão impacta e produz privilégios para um grupo que pode ter acesso mais rápido à vacinação do que os outros grupos vulneráveis à pandemia.

A justificativa para tal projeto –a de que é necessário para que os empresários possam vacinar seus trabalhadores– é uma falácia: em nenhum momento o projeto fala em vacinar todos os trabalhadores. O empresário vai poder escolher quem vai ser vacinado ou não. É a institucionalização do fura-fila da vacina.

O governo brasileiro não quis comprar vacinas no momento em que os países estavam fazendo os acordos de compras com os fabricantes. Saímos atrasados na corrida pela vacina; logo nós, que, há pouco tempo, éramos considerados internacionalmente como modelo de programa nacional de vacinação por um sistema público de saúde. Foi uma opção do governo não comprar vacinas e, em vez disso, incentivar e gastar recursos para a compra de remédios ineficazes.

Mesmo agora, nosso ritmo de vacinação está muito aquém do desejado e do que temos capacidade. Não se quer tomar medidas que garantam, com equidade, acesso a todos os recursos para impedir a mortalidade causada pela pandemia: entres elas, vacina para todo o povo pelo SUS e um lockdown nacional com garantia de renda digna, garantia de emprego e auxílio às micro e pequenas empresas. Pela forma com que vem administrando a pandemia, o governo não parece ter real preocupação com seus efeitos. Ao contrário, parece corroborar a hipótese da morte como projeto político.

O que nos resta fazer neste momento, como sociedade, é concentrar todos os nossos esforços em amenizar os efeitos da pandemia, mas sempre cobrando dos poderes que façam seu papel constitucional. E, pós-pandemia, não podemos deixar que a história apague tudo isso que estamos vivendo. Temos de responsabilizar, inclusive em tribunais internacionais, todos aqueles que contribuíram para esta situação. Não vamos deixar que o projeto de morte vingue, pois temos um projeto de vida, de liberdade, de equidade e de afetos.

Criola e Inesc integram a ABCD (Ação Brasileira de Combate às Desigualdades)

Lucia Xavier
Coordenadora geral de Criola

José Antonio Moroni
Membro do colegiado de gestão do Inesc e da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político

Artigo publicado originalmente na Folha de S.Paulo em 13/04/2021. Para acessar, clique aqui.
Crédito imagem: Lalo de Almeira/Folhapress.

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